
Amar em tempos de fim de ano
Este intervalo carne de pescoço que acontece entre meados de novembro e o dia 2 de janeiro, o final de ano, pode ser entendido como um significante, ou seja, um elemento que carrega significados variados a partir das nossas relações com o inconsciente e com a cultura. Assim, o final de ano não é apenas uma data no calendário; ele carrega simbolismos, afetos e representações que variam de pessoa para pessoa. A experiência vai variar de acordo com o freguês.
Para alguns, será um momento de fechamento e conclusão, uma pausa para balanço e reflexão. Para outros, pode carregar sentimentos de falta, solidão ou a pressão para recomeçar e mudar. Além disso, esse período é carregado de significados compartilhados culturalmente: celebração, renascimento, união e esperança. Porém, ele também pode trazer angústias ligadas à passagem do tempo e à necessidade de dar sentido à própria vida.
Assim, o final de ano se torna um ponto de articulação entre nossas faltas, desejos e projeções. Para lidar com este momento, Independentemente de vivências positivas ou negativas, de sermos pessoas de festa ou de pausa, precisamos olhar para um afeto que nos impulsiona e dá sentido à nossa caminhada: o amor.
O amor para a psicanálise
O final de ano, independentemente de nossas crenças, nos convida ao encontro, à reflexão e à redescoberta do amor em suas múltiplas formas. Seja nos laços familiares, nas amizades ou no afeto construído com o outro, esse período nos lembra que o amor é uma força que une e acolhe. É também um momento em que faltas e desejos vêm à tona, permitindo que possamos olhar para nós mesmos e para o que buscamos. Amar no final do ano é, sobretudo, reconhecer a importância das relações que nos sustentam e que, mesmo imperfeitas, nos fazem sentir menos sozinhos diante da passagem do tempo.
Pensando nisso, trago aqui algumas perguntas copiadas da psicanalista Vera Iaconelli: Para a psicanálise, nunca conseguimos nomear totalmente nossas experiências, será que nós conseguimos de fato nomear o Amor? Será que o que eu chamo de amor e o que você chama de amor, é em alguma medida a mesma coisa? Será que eu chamo de amor é o que eu entrego para quem está à minha volta? Será que o que eu chamo de amor é o que eu busco receber? Será que isso é o bastante?
Como os limites da linguagem são os limites do meu mundo, é preciso que eu tenha letramento emocional para conseguir dar lugar aos sentimentos. Quando sou capaz de nomear, sou capaz de dar forma, lugar e sentido. Se não tem nome, pode me causar angústia, medo ou a necessidade de ignorar ou aniquilar.
Será que a partir daqui a gente já consegue olhar com sinceridade para dentro e pensar o que é o amor para cada um e como fazemos uso dele?
Para a psicanálise, o amor é um encontro marcado pelo desejo e pela busca do que nos falta. Freud enxergava o amor como uma força que nos conecta ao outro, trazendo à tona nossas experiências mais profundas, especialmente as da infância. Carregamos, no inconsciente, padrões e expectativas moldados pelas primeiras relações afetivas. Já Lacan afirmava que amar é oferecer ao outro algo que sentimos nos faltar, como uma tentativa de preencher o vazio que nos constitui como seres humanos. O amor, então, não é apenas um sentimento, mas um reflexo do que somos e buscamos, revelando nossa íntima necessidade de pertencimento.
O amor enquanto afeto
Freud dizia que o amor é um afeto refinado, já Lacan, que o amor é algo que aprendemos, pois nascemos com pulsões mais primitivas – como a raiva. O pediatra e psicanalista Donald Winnicott, complementa dizendo que, se alguém foi amado e cuidado em algum momento da infância, será capaz de amar e cuidar dos outros no futuro.
Aqui já fica um “se liga” para os homens que afirmam que quem sabe cuidar de bebês e crianças, são as mulheres.
O amor, enquanto afeto — aquilo que nos atravessa e nos transforma —, é uma experiência que envolve cuidado, vínculo e conexão. Diferente da paixão ou de impulsos momentâneos, o amor se constrói com o tempo, nutrido pela convivência e pelo olhar mútuo. Ele é marcado por uma entrega que vai além das palavras e se manifesta em gestos, no acolhimento e no desejo de bem-estar do outro. Nesse sentido, o amor cria um espaço de encontro (ou reconhece o espaço do encontro) onde a presença do outro traz conforto e sentido. Amar envolve também aceitação e negociação, permitindo que o vínculo se fortaleça sem anular as individualidades. O amor, enquanto afeto, é uma força que aproxima, sustenta e humaniza.
O amor como um ato revolucionário
O amor é um ato revolucionário, pois desafia as barreiras sociais e as limitações que impomos a nós mesmos. Amar é abrir-se ao outro, mas não a qualquer um, de qualquer forma ou a qualquer preço! É acolher imperfeições e, ao mesmo tempo, expor vulnerabilidades. É um ato de resistência em um mundo que valoriza o efêmero e superficial. É escolher a construção em meio ao caos, é permanecer em um tempo de urgências e de descarte.
Amar implica reconhecer nossa incompletude e, ainda assim, encontrar no outro um laço significativo, não como solução, mas como caminho. No final do ano, quando a passagem do tempo se intensifica, o amor atua como força capaz de dar sentido, renovando e fortalecendo vínculos, assim como abrindo espaço para deixar ir o que já não faz sentido — e isso também é amor.
Amar é, portanto, um ato de coragem e transformação, pois nos conecta com a nossa humanidade e nos convida a construir um futuro onde a presença e o cuidado prevaleçam sobre a indiferença.
Para dizer até breve, deixo uma frase que faz muito sentido para mim e que espero, possa de alguma forma, inspirar novos ciclos:
“Nós sempre encontramos nosso destino no caminho que escolhemos evitar.”