
Chronos, Kairós e Aiôn: Há um tempo para tudo
Dando sequência à nossa troca sobre o tempo, como combinamos na última semana, trago um pouco de mitologia para temperar a psicanálise.
Vivemos em um mundo regido pela crença de que tempo é dinheiro, mas também é vida, e, nesta mesma crença, a vida é jovem e sorridente!
No corre-corre diário e em nossas interações sociais, com suas demandas e inovações tecnológicas, somos lançados diante de um desafio constante: sincronizar os diferentes tempos que regem nossa existência.
Na visão psicanalítica, esses tempos—Chronos, Kairós e Aiôn—nos ajudam a refletir sobre nossa trajetória, nossas escolhas e como lidamos com as transformações de nossa psique. Afinal, será que estamos no tempo certo para agir? Ou melhor, será que o tempo de ação passa?

Chronos nos lembra que o tempo linear é um recurso valioso para compreender o passado e projetar o futuro. A psicanálise nos ajuda a navegar nesse fluxo.
Chronos: O coelho de Alice
Chronos é o tempo que conhecemos em todos os lugares e culturas: linear, mensurável, aquele que nos lembra do horário da reunião, da consulta médica e das férias que parecem nunca chegar.
Ele nos organiza e dá alguma estrutura, mas também pode ser um tirano!
Quando nos deixamos dominar por Chronos, a vida se torna uma corrida contra o relógio, e a ansiedade passa a ocupar um lugar de destaque. Lembra do coelho na história de Alice no País das Maravilhas? Vivia correndo, ansioso e olhando o relógio, dizendo: “Não vai dar tempo, não vai dar tempo!”
Na mitologia, Chronos é retratado como um velho, um deus implacável que devora seus próprios filhos, temendo ser destronado. Freud poderia associá-lo à figura do superego rígido, que cobra constantemente produtividade e perfeição, ou a desgraça será o destino.
Viver sob a sombra de Chronos é esquecer o acaso, o imprevisto e a qualidade do momento presente.
Kairós: A hora é agora e o momento é já!
Kairós, por outro lado, é o tempo da oportunidade. Representa aquele instante precioso em que tudo se encaixa e a ação parece inevitável e fluida. Na mitologia, era retratado como um jovem de corpo atlético—muito veloz—em geral totalmente desnudo, sem nenhum pelo no corpo. Tinha apenas um tufo de cabelos na parte frontal da cabeça, e a única maneira de parar Kairós era segurando este tufo de cabelos.
Daí a crença de que precisamos nos jogar na frente das oportunidades!
Diferente de Chronos, que era pai de Zeus e, portanto, avô de Kairós, ele não obedece ao relógio; exige intuição, coragem e atenção.
Na psicanálise, Kairós pode ser associado aos momentos de insight e transformação, quando conseguimos olhar para nossa vida com a honestidade crua que nos permite decidir mudar.
No entanto, a vida vivida somente no improviso de Kairós pode se tornar caótica, gerando frustração por metas irreais não atingidas, responsabilidades negligenciadas e expectativas desmedidas. Como conseguir algum equilíbrio?

Kairos nos lembra que o momento certo pode transformar nossas vidas. A psicanálise ajuda a reconhecer e aproveitar essas oportunidades.
Aiôn: Mas tudo passa, tudo passará!
Se Chronos é linear e Kairós é momentâneo, Aiôn é cíclico e eterno. Ele representa os ritmos universais que transcendem o tempo humano: o nascer e o pôr do sol, as estações do ano, os ciclos da vida. É o tempo que nos permite perspectiva, nos lembrando que tudo passa—tanto as dores quanto as alegrias.
Em geral, aparece nos afrescos como um jovem dentro de um círculo, representando o zodíaco ou o tempo cíclico. É ele que nos diz:
“Se você está mal, não se preocupe demais, isso passa. Se você está bem, não se apegue demais, isso também passa! A sabedoria aproveita todas as estações.”
Aiôn nos ajuda a ressignificar o sofrimento, entendendo a diferença entre ele e a dor.
Dor é algo inevitável, onde não temos escolha de vivenciar ou não. Já o sofrimento é, por vezes, a escolha de revisitar a dor—sem mudanças—nos tornando ressentidos.
Aprendemos com Aiôn que a crise de hoje pode ser a superação de amanhã, quando buscamos as ferramentas corretas.
Na psicanálise, podemos associá-lo ao processo terapêutico, que respeita os ritmos individuais e permite que a mudança aconteça de forma gradual e orgânica, não sem dor, mas através do movimento, mitigando o sofrimento.

Aion nos conecta à eternidade e aos ciclos que moldam nossas vidas. A psicanálise nos guia na busca de significado.
As Gerações e os Tempos
Hoje, gerações diferentes interagem e experienciam o tempo de maneiras muito distintas. Os X (1965-1980) e os Y (1981-1996) cresceram em um mundo analógico, enquanto os Z (1997-2010) e os Alpha (2011 em diante) cresceram e nasceram conectados—um lugar onde o que não está na tela não existe.
Essa interação intergeracional pode gerar tensões, assim como pode provocar aprendizados.
Enquanto os mais velhos valorizam a espera e a contemplação, os mais jovens muitas vezes priorizam a ação rápida, o que pode criar atritos e até sofrimento nas relações.
Eu sou da geração X. Há 27 anos, se eu fosse escrever este texto, teria feito várias marcações em livros, talvez ido à biblioteca pública mais próxima, datilografado o texto após ter feito anotações em cadernos e, por fim, faria um número de cópias deste texto impresso em alguma copiadora, para as pessoas que participam do grupo Entre Linhas do Inconsciente. Essa reunião aconteceria em algum lugar físico. Outra: essas pessoas não teriam vindo de muito longe, muito menos de outra cidade, país ou continente.
Isso seria um trabalho de um dia inteiro, sem contar o dia da reunião em si.
A tecnologia, que reduz a espera de Chronos e acelera a ação de Kairós, nos permite estar aqui, em grupo, fazendo esta discussão com mais praticidade e aumentando a nossa oportunidade.
Por outro lado, pode também desestabilizar a harmonia com Aiôn, levando a uma sensação de que sempre estamos correndo contra o tempo—ou pior, que o tempo nos controla. Essa foi a minha tarde de hoje.
Refletindo Sobre o Nosso Tempo e se um Nosso Tempo Existe
Quando pensamos em nossas existências e experiências, podemos nos perguntar: em que tempo estou vivendo? Estou apenas cumprindo prazos de Chronos, esperando um Kairós que nunca vem, ou reconhecendo e aceitando os ciclos de Aiôn que me moldam?
O equilíbrio entre esses tempos facilita nossas escolhas, aliviando a carga do superego, trazendo uma sensação de realização.
Sentir que precisamos de mudanças é o primeiro passo. Olhar para nossa existência em perspectiva nos ajuda a encontrar as ferramentas necessárias para construir um caminho mais alinhado com nossos desejos e possibilidades.
Quando começamos a trilhar esse caminho, encontramos aquilo que muitos chamam de paz: a folga do superego, a redução da culpa e da ansiedade.