Se o Apego Soubesse
Se o apego soubesse.
Se o apego soubesse que existem os rios, ele se permitiria um banho e a se soltar em suas corredeiras, que levam para a outra margem, onde veria seu desejo com alguma distância…
Se o apego soubesse que existem as estações, no outono veria as folhas das árvores caírem como cartas de amor amareladas, como quem avisa que a hora de partir sempre chega…
Se o apego soubesse que existem as horas, acabaria por saber dos dias, dos meses, das décadas; saberia que – quem tem sorte ganha rugas! – E que com elas vem a sabedoria. Saberia que esta senhora carrega uma bolsa de um crochê delicado, onde só cabe o que é leve, que se chama coração…
Se o apego soubesse que existe o vento, ele descobriria — não sem medo — que, vez ou outra, é bom deixar as raízes serem arrancadas, soltar o caule que voa sem saber onde vai cair e que, se o terreno for fértil, novas raízes crescerão fortes…
Ah… Se o apego soubesse…
O apego não sabe, mas a gente sabe! Sabe disso tudo e, mesmo assim, faz como se não soubesse, dessa forma, com muito apego.
Gustavo Horta – outubro 2024
O Que é a Teoria do Apego?
“Se o apego soubesse que existem os rios, ele se permitiria um banho e a se soltar em suas corredeiras, que levam para a outra margem, onde veria seu desejo com alguma distância…”
A teoria do apego pode atuar como uma lente de aumento para entender como nossos relacionamentos funcionam e quem somos dentro desta engrenagem tão delicada.
“Do berço ao túmulo!” Era assim que John Bowlby – Psiquiatra e Psicanalista – resumia a teoria baseada em anos de estudos, seguido por Mary Ainsworthque – Psicóloga – que ampliou e acrescentou importantes contribuições aos tipos de apego.
Desde a primeira infância, o atravessamento pelo apego molda nosso comportamento emocional e social ao longo da vida. Bowlby observou que o vínculo entre uma criança e sua figura cuidadora (bora desconstruir a possibilidade única de ser a genitora) é determinante para o desenvolvimento psicológico saudável. A partir disso, ele identificou diferentes tipos de apego, que revelam como as pessoas lidam com a segurança, o afeto e a independência ao longo da vida, em todas as suas relações.
Tipos de Apego
Existem quatro estilos principais de apego, cada um com características que refletem nossas experiências de vínculo, confiança e segurança nas interações de nossos relacionamentos.
1. Apego Seguro
Esse estilo de apego se desenvolve quando a criança se sente acolhida e segura com seu cuidador. Ela aprende que o mundo pode ser um lugar seguro e que pode explorá-lo no seu ritmo, sabendo que pode voltar para um lugar de segurança e apoio.
Por exemplo, uma pessoa que, em seus relacionamentos, se sente confiante para expressar suas emoções, sabendo que pode confiar no parceiro. É alguém que, como no poema, “se permitiria um banho e a se soltar nas corredeiras”, sentindo segurança na sua liberdade e permitindo que seus afetos também sejam livres.
2. Apego Ansioso
A pessoa tende a buscar segurança e reafirmação constantes nos relacionamentos. Esse comportamento se dá em uma infância onde o cuidador era inconsistente, o que gerava insegurança. A figura cuidadora pode estar presente, ou não, garantindo as necessidades do bebê mais de acordo com suas possibilidades do que com a necessidade do bebê.
Pessoas com apego ansioso, como descrito no poema, podem se apegar ao medo do tempo que passa e temer perder o que conquistaram, pois sentem que o afeto ou a presença do outro nunca está totalmente garantido.
3. Apego Evitativo
O apego evitativo ocorre quando a criança aprende a não depender do outro, desenvolvendo uma postura de autossuficiência – não sem preço. Isso acontece geralmente em lares onde os cuidadores eram emocionalmente indisponíveis.
Esse adulto pode evitar se abrir emocionalmente, temendo a vulnerabilidade.
As pessoas com apego evitativo tendem a temer e portanto evitar os laços profundos, preferindo um caminho mais solitário, onde podem manter suas defesas. Assim podem ser aquelas pessoas que nunca se entregam totalmente aos seus relacionamentos, sempre se resguardando ou “pulando fora” quando o compromisso é muito profundo.
4. Apego Desorganizado
Esse estilo surge quando o cuidador é também uma fonte de medo ou ameaça, o que causa uma relação confusa e contraditória.
A pessoa com apego desorganizado pode alternar entre a busca intensa por afeto e o afastamento, como se fosse incapaz de decidir entre se aproximar ou se proteger, mantendo-se preso em um ciclo onde a resistência ao desapego causa sofrimento, assim como o entregar-se também faz sofrer.
Esse ciclo intenso de busca e afastamento faz com que a pessoa se sinta constantemente em conflito, sem conseguir encontrar segurança nas próprias emoções.
O Apego caminha
Vale lembrar que os tipos de apego continuam a ser estudados e que receberam novas camadas e novas nomenclaturas por Ainsworthque e depois por Phillip Shaver e Cindy Hazan, sendo até hoje campo de estudo e de muita discussão. E que este texto é só uma pincelada dos quatro tipos principais de apego de uma forma palatável e simplificada, para que possamos dialogar sobre eles.
Os nossos apegos são um indicativo que carregamos padrões que guiam nossas relações.
Entender nosso estilo de apego é como compreender o poema: ver as corredeiras, as estações, e o vento como reflexos de nossos sentimentos e desafios emocionais.
Podemos aprender a soltar as raízes, ver o tempo passar e aproveitar as conexões que construímos. Assim, a partir desse entendimento, estamos mais próximos de vivenciar relacionamentos mais saudáveis e satisfatórios. Afinal, “O apego não sabe, mas a gente sabe!”