
Espelhos e Máscaras – O que o outro mostra e o que nós escondemos.
Nosso mundo é feito de imagens. Rostos, expressões e gestos formam um mosaico de comunicação que por vezes dispensa a palavra e que são construídos, interpretados e reconstruídos em nossas trocas diárias. Olhamos para as pessoas e, muitas vezes, acreditamos ver tudo o que há para ser visto. O semblante tranquilo de um colega, o sorriso simpático de um amigo, a expressão serena de um desconhecido. Contudo, aquilo que se apresenta à superfície é apenas uma fração do que realmente aquela pessoa.
A imagem acima pede a reflexão para distinguir duas dimensões: “o que vemos” e “o que não vemos”. À primeira vista, ela nos lembra que as aparências, por mais convincentes, nunca contam toda a história. Sob os rostos sorridentes e as fachadas sociais cuidadosamente construídas, habitam ansiedades, medos, lutos e depressões. Sim, nossos filtros psíquicos podem ser muito mais poderosos que o filtro do Insta! Esses estados, muitas vezes invisíveis para os outros, moldam o sujeito e suas ações, mesmo sem serem expressos verbalmente. E, frequentemente, são essas camadas ocultas que gritam por serem vistas.
O Esconde e mostra das Máscaras emocionais.
O que não vemos não é apenas escondido por escolha. Muitas vezes, aquilo que é invisível ao outro também o é para o próprio sujeito. Afinal, grande parte de nossas motivações e dores estão devidamente protegidas dos nossos olhares conscientes e dos olhos dos outros, bem guardadinhas em nosso inconsciente. Assim, enquanto projetamos uma imagem social — o que “vemos” —, permanecemos em luta com aquilo que foi reprimido, silenciado ou não elaborado: o que “não vemos”.
Essa dualidade não deve ser interpretada como algo estritamente negativo. Somos seres complexos, feitos de camadas que se revelam e se escondem, que se mostram de forma fragmentada e demandam um trabalho psíquico constante. Porém, há momentos em que as emoções reprimidas ou ignoradas ganham peso demais e começam a interferir diretamente na vida, provocando sofrimento. Nessas horas, o que “não vemos” — tanto nós quanto o outro — pode transformar-se em um grito por ajuda.
Máscaras emocionais são uma espécie de disfarce criado como uma forma de proteção. Trata-se de uma distorção da personalidade para ser mais aceita, para não demonstrar a dor que se sente ou, simplesmente, para se conseguir adaptar e sobreviver ao ambiente no qual se está inserido. Donald Winnicott, psicanalista inglês, desenvolveu o conceito de “falso self” para descrever um estado em que uma pessoa apresenta uma personalidade ou comportamentos que não correspondem à sua verdadeira identidade.
O falso self é uma forma de defesa psicológica que pode se desenvolver em pessoas que passaram por experiências traumáticas ou que cresceram em ambientes em que suas necessidades emocionais não foram adequadamente atendidas. Essas pessoas podem aprender a apresentar um “eu” falso que é mais palatável para seu ambiente, ocultando ou suprimindo seus verdadeiros sentimentos e necessidades.
Embora o falso self possa ser uma ferramenta de adaptação necessária em determinadas situações, ele também pode levar a uma sensação de vazio e falta de autenticidade, além de dificultar o desenvolvimento de relacionamentos saudáveis e significativos. Quando essa adaptação deixa de ser funcional e se transforma em fonte de sofrimento, é fundamental um trabalho de integração entre o falso self e o verdadeiro self. Afinal, usar máscaras 24×7 drena a energia de qualquer pessoa!
Adaptabilidade é necessária. Todos nós usamos algum tipo de máscara nos diferentes ambientes em que existimos: Família, trabalho, casa, com seu pet, etc… Um ser humano flexível tem mais recursos para se desenvolver. Estas máscaras só precisam de tratamento,quando o vazio e a dor predominam, retirando o sentido de propósito.
Você já usou uma roupa muito bonita, mas que não é o seu número? É algo que incomoda tanto – não importa se aperta ou sobra – que sentimos uma vontade quase impossível de controlar, de trocar a roupa por algo que nos sirva.
É nessa hora, em suas sessões de análise, que você começa a integrar as máscaras e o seu eu verdadeiro, formando um ser complexo, flexível e atuante.
A importância do escutar.
Estudos recentes revelam que cerca de 280 milhões de pessoas no mundo vivem com depressão, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse é apenas um dos vieses do sofrimento psíquico que permanece muitas vezes oculto. Afinal de contas, o filtro da tristeza, do luto ou da depressão não aparecem nas opções das redes sociais. Acontece que estes filtros fazem parte da nossa constituição humana, e negá-los é um sintoma da nossa atualidade, que deve ser trabalhado com urgência! Além disso, transtornos de ansiedade afetam aproximadamente 30% da população em algum momento da vida, mostrando que sentimentos invisíveis não são incomuns, mas frequentemente silenciados. Afinal, por falta de letramento emocional, muitas vezes estamos ansiosos, mas não conseguimos dar nome a este sentimento.
A psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, conhecida por seus estudos sobre violência psicológica, principalmente em ambiente familiar, ressalta que “o sofrimento não tratado se torna invisível para os outros, mas também insuportável para o sujeito”. Essa afirmação reforça a importância de criar espaços onde todos possam expressar seus sentimentos, sem medo de julgamento ou estigmatização.
A psicanálise pode ser conhecida como a cura pela fala, mas isso não aconteceria se não existisse a escuta. Uma escuta que vai muito além do “descobrir o que está escondido”, o divã oferece um espaço seguro e acolhedor para que o sujeito possa, aos poucos, entrar em contato com suas próprias camadas invisíveis. O analista, por sua vez, não é alguém que enxerga diretamente essas emoções ocultas, mas alguém que escuta — para além das palavras, para além dos gestos, para além do que está visível.
A questão é que hoje, ainda que em uma utopia, onde todas as pessoas buscassem análise ou outras psicoterapias, não haveria efetivamente profissionais suficientes para atender a todos.
É neste momento que pode entrar uma força gigantesca e que está ao alcance de todos: Ser a escuta de alguém que precisa!
Não é preciso ser um profissional da saúde mental para sentar com alguém e entregar a sua escuta de maneira empática, sem julgamentos, sem formulação de respostas, sem apresentar soluções ou mesmo dizer que aquilo também já aconteceu com outras pessoas.
Apenas escute!
As nossas dores são únicas, assim como as da pessoa que está ao nosso lado. Na nossa realidade, onde as redes sociais reforçam a cultura da aparência, o desafio de escutar o outro em sua profundidade se torna ainda mais desafiador. É comum que as pessoas sintam a necessidade de mascarar suas dores para manter a aparência de “sucesso” ou “normalidade”. Mas também é muito usual que os círculos familiares ou sociais das pessoas optem por comprar esta aparência, afinal, dá muito menos trabalho olhar para um espelho d’água que para um oceano profundo! Isso faz com que sentimentos como ansiedade, luto, medo e depressão sejam vividos de forma isolada, em silêncio.
Acredite, um sorriso e um convite para um chá, podem mudar a vida das pessoas, e a sua também.
Coragem e enfrentamento
Olhar para dentro de si é um ato de coragem, permitir que o outro diga o que vê dentro de si, pode ser um momento de enfrentamento. A capacidade de entrar em contato com os próprios sentimentos é essencial para o amadurecimento emocional, afinal, a verdadeira liberdade reside na habilidade de sermos autênticos.
Agora, como fazemos para que segurar a onda de que os outros também sejam autênticos? Ainda mais quando, por algum motivo, não concordamos com esta autenticidade?
Para isso, é necessário encarar não apenas as partes agradáveis de nosso eu, ou do eu do outro, mas também as angústias e medos que residem nas sombras. E essas, todos nós temos.
O mergulho.
Desconfie sempre das narrativas superficiais, mas também tenha compaixão por quem as constrói. Afinal, todos nós criamos defesas para sobreviver às exigências da vida. A grande questão não é eliminar essas defesas, nossas ou do outro, mas entender o que elas escondem e como podemos, aos poucos, transformá-las.
Que este texto contribua no olhar para o outro — e para nós mesmos — com mais empatia, sabendo que sempre há mais além do que os olhos podem ver. Afinal, a verdadeira jornada só começa quando ousamos olhar para o que nós mesmos ocultamos, ou aquilo que não desejamos ver.
Em um mundo onde o tempo está em constante disputa, o bem mais precioso que podemos ofertar é o tempo da escuta, uma escuta disposta a olhar o outro através de seu próprio olhar, a escuta de fazer perguntas e não dar respostas ou soluções. Escutar o outro ajuda a fazer cair as máscaras, as minhas e as suas, pois os ouvidos e os olhos que se abrem generosamente, despertam confiança em quem fala.