
Shippando Fausto e Dorian Gray: a Negação do Erro
Se Fausto e Dorian Gray dessem match no Tinder, o papo ia ser longo…
Um obcecado pelo poder, outro pela beleza, ambos comprometidos com a missão de negar que a vida é uma sucessão de erros gloriosamente inevitáveis. Mas, se aprendemos algo com a psicanálise, é que tentar escapar da própria condição humana é o caminho mais rápido para enfiar os pés pelas mãos e, no caso deles, para a catástrofe.
Para que todos possamos partir do mesmo lugar:
Fausto, de Goethe
“Fausto” é uma história de cara brilhante, que não faz análise e é insatisfeito com sua vida. Ele sente que, apesar de todo seu conhecimento, ainda não entende o verdadeiro sentido da existência. Para preencher esse vazio, ele faz um pacto com o diabo, no caso, o coisa ruim foi nomeado de Mefistófeles: em troca de prazeres infinitos e experiências extraordinárias, ele entrega sua alma, e claro, da ruim.
O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde
“O Retrato de Dorian Gray” conta a história do padrãozinho que deseja permanecer jovem e perfeito para sempre, pois nunca teve que carpir um lote. Ele faz um pacto mágico: um retrato seu envelhecerá no lugar dele, enquanto ele permanece com a aparência impecável. No entanto, à medida que Dorian comete atos egoístas e cruéis, o retrato vai se deteriorando, refletindo sua essência. É como se as fotos de alguns influencers pudessem refletir suas personalidades.
A Negativa do Erro, um erro por si só
Fausto, ao assinar seu pacto, quer ultrapassar os limites do conhecimento humano, recusando-se a aceitar que somos seres falíveis. Já Dorian, ao desejar congelar sua juventude no retrato, externaliza suas falhas, empurrando-as para fora de si. Ambos, no fundo, fazem o mesmo movimento: negam o erro como parte da existência.
Quando negamos aspectos fundamentais de nossa subjetividade, eles não desaparecem, apenas voltam de maneira distorcida, como sintomas e repetições. No caso de Dorian, o retrato se torna um acúmulo monstruoso de tudo aquilo que ele se recusa a enfrentar; já Fausto se encontra perdido em sua busca, alienado de si e do mundo. Freud com o recalcado e Lacan com a alienação sentiriam-se em um banquete.
Na sociedade contemporânea, a pressão pela perfeição e a aversão ao erro são exacerbadas por fatores como a competitividade extrema, a cultura das redes sociais e a mercantilização da vida. Nossos feeds, por exemplo, criam um espaço onde apenas as versões idealizadas das pessoas são mostradas, alimentando a ilusão de que todos ao nosso redor são felizes, bem-sucedidos e infalíveis. Essa distorção da realidade gera uma comparação constante e uma sensação de inadequação, que pode levar a transtornos como ansiedade, depressão e burnout.
Essa dinâmica é particularmente evidente em ambientes profissionais altamente competitivos, onde o medo de falhar pode paralisar os indivíduos e impedir a inovação. A incapacidade de lidar com o erro também está relacionada às máscaras que criamos para nos adaptarmos às expectativas externas, mas que nos afasta de nossa verdadeira essência, aumentando o sofrimento.
Se dermos uma boa olhada em nós mesmos, podemos reconhecer nestas personagens, a fórmula perfeita para a angústia contemporânea: a busca por uma ilusão de perfeição, metas inalcançáveis de produtividade e a promessa de que só seremos felizes se eliminarmos nossas falhas. O resultado? Angústia generalizada, digna de um pacto mefistofélico coletivo.
Na falta de um Eu, vai Tu mesmo
A busca pela perfeição não é só um problema individual, mas também uma dinâmica estrutural e destrutiva em nossas relações. Quando não conseguimos admitir nossas falhas, nos tornamos defensivos e incapazes de nos conectar verdadeiramente com os outros.
Nas relações amorosas, por exemplo, a expectativa de um parceiro perfeito pode levar à desilusão e ao conflito, já que nenhum ser humano é capaz de corresponder a um ideal tão elevado. A incapacidade de lidar com os erros do outro e de si mesmo gera ressentimento e distanciamento emocional.
No ambiente profissional, a cultura do “não errar” cria um clima de desconfiança e medo. Se eu erro e todo mundo erra, como assim esta pessoa não está errando?
Funcionários que temem cometer erros tendem a evitar riscos e a esconder problemas, o que pode levar a decisões ruins e a um ambiente de trabalho tóxico. Além disso, a falta de espaço para o erro impede o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais, como empatia, humildade e resiliência, que são essenciais para lideranças eficazes e equipes coesas.
A cultura do “não errar” gera ambientes de medo e inovação zero.
O erro é o motor do aprendizado, e negá-lo é amputar qualquer chance de crescimento.
Perfeição: a Morte do Diálogo
No plano social, a incapacidade de lidar com a complexidade nos leva à polarização. Se só conseguimos enxergar o mundo em termos de certo e errado, é impossível dialogar.
Essa negação da imperfeição humana também tem implicações sociais e políticas. Em uma sociedade que valoriza respostas rápidas e soluções simples para problemas complexos, há uma tendência à polarização e ao pensamento binário (certo vs. errado, bom vs. mau). Essa mentalidade favorece o surgimento de líderes autoritários que prometem soluções fáceis e absolutas para questões profundas e multifacetadas. Ou seja, assim como em Fausto, da ruim, sempre!
A polarização é alimentada pela incapacidade de reconhecer e dialogar com perspectivas diferentes. Quando não conseguimos admitir nossos próprios erros e limitações, projetamos nossas falhas nos outros, criando inimigos imaginários e aprofundando divisões sociais. A abertura para soluções autoritárias surge justamente dessa busca por uma ordem perfeita e controlada, um pai todo poderoso, que elimina os erros à força, em vez de assumir que eles existem, integrá-los e ressignificá-los.
Sim, ser adulto dá trabalho, para todo mundo.
Com isso passamos a viver em uma “angústia performática”, na qual todos se sentem pressionados a serem infalíveis. O problema é que essa infalibilidade não existe. O resultado? Um ciclo infinito de culpa, vergonha e ressentimento.
O Erro como Potência
A ideia de que errar é bom e construtivo pode parecer contra intuitiva em uma sociedade que valoriza a perfeição e o sucesso a qualquer custo. No entanto, tanto a psicanálise quanto a literatura clássica nos mostram que o erro é uma dimensão essencial da condição humana. Em “Fausto”, a jornada do protagonista só ganha profundidade e significado quando ele reconhece suas falhas e limites. Em “O Retrato de Dorian Gray”, a recusa em aceitar os erros leva Dorian à degradação moral e ao isolamento. Sim, Dorian era ainda mais teimoso que Fausto.
Essas obras nos ensinam que a negação do erro é uma forma de negação da própria vida, enquanto o reconhecimento e a integração das falhas são caminhos para a maturidade e a autenticidade. A partir dessas obras e de muita análise, podemos refletir sobre a importância de abraçar nossa humanidade imperfeita. Errar não é um sinal de fraqueza, mas uma oportunidade de crescimento e autoconhecimento.
Errar é para os fortes!
Em outras palavras, errar nos permite questionar nossas certezas, revisar nossas posições e nos abrir para novas possibilidades. Essa perspectiva é especialmente relevante em um contexto social marcado pela intolerância, onde a capacidade de reconhecer e dialogar com o erro pode ser um antídoto contra o pensamento dogmático.
Para construir uma vida e uma sociedade mais saudável, precisamos criar espaços onde os erros sejam vistos como parte natural da experiência humana. Isso requer uma mudança cultural que valorize a vulnerabilidade, o diálogo e a empatia. – Olha o Feminismo aí gente!!! – Só assim poderemos enfrentar questões complexas com maturidade e evitar as armadilhas das soluções simplistas. A verdadeira perfeição, afinal, não está na ausência de erros, mas na capacidade de aprender com eles e de nos tornarmos mais humanos.
A criatividade e o amadurecimento emergem justamente da experimentação — e errar é parte disso. O erro é um encontro com o real, um momento de quebra que nos obriga a rever nossas certezas e nos reconstruir. Dói muito, e faz crescer.
Errar é uma prova de que estamos vivos, em movimento e em constante transformação.
O Poder de Enfiar o Pé na Jaca
Errar é Humano, Crescer é Essencial.
Errar não é apenas inevitável, mas também necessário para o crescimento e a maturidade. A literatura clássica, a psicanálise e os pensadores contemporâneos nos mostram que a negação da sombra é uma forma de negação da própria essência, enquanto o reconhecimento e a integração das falhas são caminhos para a autenticidade e a conexão, assim nos tornamos sujeitos.
Em uma sociedade que valoriza a perfeição e o sucesso a qualquer custo, ressignificar o erro como uma experiência de aprendizado e transformação é um ato de resistência e de esperançar.
Ao abraçar nossa humanidade imperfeita, nos tornamos mais capazes de enfrentar os desafios da vida com coragem e criatividade.
É importante o resgate da noção de fracasso como uma experiência humana legítima e necessária para o crescimento. A incapacidade de lidar com o erro está na raiz de muitos dos sofrimentos psíquicos contemporâneos, o erro não é algo a ser evitado, mas uma ferramenta de subjetivação, que nos permite questionar nossas certezas e revisar nossas posições.
O erro nosso de cada dia pode ser visto como uma porta de entrada para o novo. Em vez de temer o erro, devemos abraçá-lo como uma oportunidade de aprendizado e transformação. Essa perspectiva é especialmente relevante em um contexto social marcado pela incerteza e pela mudança acelerada, onde a capacidade de adaptação é mais importante do que nunca.
Errar é a melhor coisa que pode nos acontecer. Só consegue ser bem sucedido quem já errou, e muito!
A maturidade emocional não se constrói a partir da ausência de erros, mas da capacidade de lidar com eles de forma construtiva. O erro é um dos últimos espaços de liberdade que temos. Fausto e Dorian tentaram ser infalíveis e pagaram um preço alto. Talvez, se tivessem aceitado a própria vulnerabilidade, poderiam ter evitado seus destinos trágicos. Não seriam somente personagens incríveis, teriam também sentido realização. Que bom quando podemos aprender não só com nossos erros, mas também com o que nos ensina os erros de quem veio antes de nós.
Errar cria um respiro que torna possível a criatividade e o brincar, ser capaz de rir de si mesmo é essencial para o desenvolvimento de uma identidade autêntica e resiliente.
A perfeição, ao contrário do que nos dizem, não é um ideal a ser alcançado. Ela é uma condenação. O que nos torna humanos é exatamente a capacidade de falhar, aprender e continuar.
O erro é o solo firme e fértil que pisamos, para com novos projetos, caminhar para a realização.
Ou chegar em outro erro, que também faz parte!
Então, bora errar com gosto! E análise queridxs, análise.