
Tempo tem pressa?
O hoje é ditado pela velocidade.
Antes, o tempo era marcado pelas refeições, pelas estações do ano, nascimentos, casamentos, mortes, às vezes pela passagem de um cometa, e isso imprimia um ritmo que hoje nós só conseguimos, de alguma maneira, experienciar em literatura, filmes ou séries de outras épocas.
Hoje tudo é cronometrado, pautado em prazos, metas e uma urgência inumana de criar, fazer, empreender, conquistar, produzir, ser feliz – e postar nas redes – porque, se o outro não sabe, será que eu sou feliz realmente? UFA!
A realização foi engolida ou substituída – ainda estou refletindo sobre isso – pela felicidade. E não é qualquer felicidade, senhoras e senhores, é o ser feliz o tempo todo, em tudo e de toda forma. A felicidade hoje é uma necessidade tão absoluta que foi colocada em um pedestal, transformada em um requisito constante, um objetivo inalcançável que suprime qualquer outra dimensão da existência, como a subjetividade, o crescimento e, sobretudo, a experiência das fases da vida.
Quando me mudei de São Paulo para Lisboa, alguns anos atrás, a primeira coisa que me chamou atenção foi a diferença de como o tempo é experienciado em cada cidade. Quando, antes ainda, saí de Belo Horizonte para São Paulo, comecei a me adaptar ao fato de que era absolutamente aceitável agendar uma reunião de trabalho para as 20 horas de um dia e outra para as 7 da manhã seguinte. Daí, quando cheguei a Lisboa, precisei novamente me adaptar ao fato de que qualquer compromisso profissional terminaria às 17 horas e que, em agosto, não adianta agendar reuniões – ninguém trabalha, é verão!
A questão é que, mesmo vivenciando o tempo de maneiras muito distintas, todos hoje vivem a busca desenfreada pela felicidade, seja no sucesso de vencer em uma cidade bruta ou no copo de cerveja ao final do dia vendo o pôr do sol, na beira do rio.
Isso nos coloca em um paradoxo cruel: enquanto corremos atrás de sorrisos e momentos perfeitos, perdemos a chance de experienciar aquilo que também nos constitui — as dores, os desafios, as pausas.
Pausa para evidenciar a pausa…
Parece que não temos mais permissão para sentir dor ou sofrer. Em vez disso, buscamos facilitadores como medicamentos, livros de autoajuda, alienação dentro das redes sociais ou na próxima série que jura mudar nosso olhar sobre a existência. E sim, você precisa maratonar para ver antes de todo mundo! Afinal, feliz mesmo é quem é feliz primeiro!
Criamos verdadeiros atalhos emocionais que prometem devolver o ânimo, mascarar o desconforto e nos manter produtivos. Mas será que estar “funcionando” é o mesmo que estar vivendo?
A Dor Como Parte da Vida
Na psicanálise, a dor não é vista como algo a ser eliminado a qualquer custo. Sigmund Freud, em seu texto “Luto e Melancolia”, ensina que a dor é um processo necessário e saudável em nossa psique. Ela faz parte! Permite que possamos nos despedir, elaborar e seguir em frente com mais solidez. Negar a dor é negar parte determinante do que nos faz humanos. Afinal, a vida não é o contrário de morte — o contrário de morte é o nascimento. O que acontece entre esses dois momentos é um intervalo cheio de nuances, altos e baixos, que nos dão contorno e sentido à nossa jornada: nossa vida.
Experienciar e Vivenciar
Pensando nisso, é importante entender a diferença fundamental entre experienciar e vivenciar. Vou trazer aqui um conceito, muito rapidamente, do Walter Benjamin – filósofo, crítico cultural e ensaísta, que viveu entre o fim do século 19 e meados do século 20.
Benjamin dizia que vivência, ou vivenciar, é o mesmo que o nosso cotidiano, a nossa operacionalização da vida: acordar, comer, escovar os dentes, ir para o trabalho, voltar, etc.
Já experiência, ou experienciar, é quando algo nos chama atenção no nosso contínuo de vivência e aquilo, para nós, é tão interessante que temos o desejo de contar para alguém ou elaborar com nossos botões aquele acontecimento.
Não precisa, para isso, ser a descoberta da roda. Pode ser uma ida à padaria onde algo ou alguém com que travamos contato torna a vivência interessante o suficiente para estarmos de fato presentes, permitindo que as situações nos toquem e até nos transformem.
É quando nos conectamos com os outros e conosco em um nível mais profundo, seja em momentos de felicidade, tristeza ou desafios. É quando saímos do piloto automático, funcionando apenas para dar conta das obrigações, sem permitir que os acontecimentos nos afetem de verdade.
A subjetividade, esse lugar que nos define, só é construída quando nos permitimos experienciar a vida em sua complexidade. Olhar o vento chacoalhando uma folha pode ser complexo, não é preciso mil curtidas para que algo faça sentido.
É nesse encontro com os momentos desafiadores — e também nos pequenos instantes de paz e alegria — que desenvolvemos as ferramentas para lidar com o futuro e com aquilo que a ciranda da vida inevitavelmente nos trará.

O tempo é um aliado poderoso na jornada do autoconhecimento. Descubra como a psicanálise pode ajudá-lo a conectar-se com seu ritmo interno.