
Zen Falta – A Geração Z e a Castração.
Você já se perguntou por que alguns de nós parecem ter tanta dificuldade em lidar com frustrações? Ou por que muitos jovens de hoje buscam satisfação instantânea constante?
Hoje somos bombardeados por relatos que mostram como a galerinha conhecida como Geraçao Z se relaciona entre si e com o mundo. Essa geração, nascida entre meados dos anos 1990 e o início dos anos 2010, cresceu em um mundo marcado pela tecnologia, pelo imediatismo e por uma estrutura cultural que valoriza a satisfação instantânea. As redes sociais, o acesso ilimitado à informação e a cultura do “like” criam um ambiente onde a falta, a frustração e a espera parecem ser anuladas ou, pelo menos, adiadas indefinidamente.
São hoje adolescentes e adultos que se destacam pela habilidade intuitiva com tecnologia, o pensamento rápido e a capacidade de aprender de forma autodidata. Cresceram em um mundo hiperconectado, têm um forte senso de justiça social, valorizam a diversidade e a inclusão. São criativos, com capacidades de multitarefa, e sua facilidade em acessar informações também os tornam críticos e bem-informados sobre temas globais.
A questão mais significativa é que em geral tudo isso precisa acontecer em segundos, sem esforço e principalmente sem profundidade, externa e interna.
A Falta: O Motor do Desejo
Somos constituídos por nossas faltas.
Se você caiu da cadeira agora, calma! Essa é uma afirmação bem comum para quem está em processo de análise, e se isso te incomoda, talvez esteja na hora de agendar sua sessão.
Piadas à parte, nesta semana ouvi uma frase muito interessante em um grupo de estudos com a psicanalista Caroline Becker: “Que falta que a falta nos faz”.
A relação com a falta da falta é um dos pontos principais que vem sabotando as gerações pós 1990, tanto que agora pela primeira vez na história conhecida, temos uma geração menos inteligente que a anterior. A falta realmente anda fazendo muita falta!
Para a psicanálise, a falta é o que constitui o sujeito.
Assim que sai do útero, o bebê se depara com a ausência da satisfação plena e precisa lidar com a frustração de não ter seus desejos atendidos de imediato o tempo todo. As nossas experiências de falta é o que nos impulsiona a busca, o desejo e a construção da identidade.
A ausência de nossas necessidades atendidas, não é apenas trauma, mas também potência.
Nossas faltas nos constituem, formam nossos talentos, nossa capacidade de conexão e até qual carreira iremos seguir e o quanto isso irá nos preencher. Muitas vezes, a profissão que escolhemos está diretamente ligada a algo que nos faltou na infância. O médico pode ter sido uma criança que experienciou o quanto a falta de cuidado com a saúde pode ser perigoso, o artista pode ter crescido em um ambiente que impedia a expressão, esse psicanalista que escreve agora escuta, porque não foi escutado uma vida inteira. Assim, a falta é não apenas constitutiva, mas também criadora de caminhos.
Castração? Eu é que não!
Para entendermos melhor as faltas, precisamos olhar para um conceito essencial da psicanálise: a castração simbólica. Mas calma, não estamos falando de algo literal! Esse conceito tem a ver com aprender a lidar com limitações e a compreender que não podemos ter tudo o que queremos. E castração é a falta que faz falta no pós Geração Z!
Segundo Freud, a aceitação da castração é um passo crucial para o desenvolvimento do sujeito. É através dela que o indivíduo aprende a lidar com as frustrações, a negociar com as faltas e a se inserir na ordem simbólica da cultura. Quando essa castração não é reconhecida ou é negada, o sujeito pode ficar preso em uma dinâmica de onipotência, onde a ilusão de completude e satisfação imediata prevalece. Isso pode levar a uma fragilização do ego e a uma dificuldade em lidar com as demandas da realidade.
Sabe aquela pessoa que você conhece que nunca está satisfeita com a realidade e que não se sente responsável por isso? Então….
A psicanalista Maria Rita Kehl, em seus estudos sobre as novas subjetividades, aponta que a negação da castração pode resultar em uma sociedade onde as relações se tornam mais frágeis e superficiais. Sem a capacidade de lidar com as faltas e as frustrações, os indivíduos podem desenvolver uma relação de dependência com objetos de consumo, tecnologias e relações virtuais, buscando preencher um vazio que, na verdade, é estrutural e inevitável. Trazendo isso para o popular: Todo mundo quer gelo, mas ninguém quer encher a forminha.
Na psicanálise, a falta e a castração estão intimamente ligadas, ambas dizem respeito à estruturação do sujeito e à sua inserção na cultura.
Se a falta é o que nos constitui desde o início da vida, pois ninguém tem tudo o que deseja, e essa experiência de incompletude é essencial para o desenvolvimento do nosso desejo, a castração – nesse sentido – é o reconhecimento de que há limites impostos pelo outro e pela sociedade, e que não somos onipotentes ou autossuficientes. É justamente essa perda da ilusão de completude que nos permite construir nossa identidade, estabelecer relações e encontrar sentido na vida. Quando essa castração é negada, o sujeito pode buscar incessantemente preencher um vazio impossível de ser eliminado, o que pode gerar angústia, impulsividade e uma constante insatisfação.
Por outro lado, ao aceitar a falta como parte da condição humana, abrimos espaço para o desejo e para a criatividade, entendendo que é na ausência que encontramos a possibilidade de construção e crescimento.
Então, o que acontece quando uma geração se forma em um contexto que parece negar ou minimizar a importância dessa castração simbólica?
O pós Geração Z simbolicamente não reconhece e não consegue lidar com perdas, limites e regras — vendo a frustração como algo a ser evitado, e não como um processo necessário para o amadurecimento psíquico que precisa ser vivenciado em sua totalidade.
Bebês com Smartphones e Pós Graduação.
Quantos pais dizem aos filhos: “só quero que você seja feliz” ?!
Essa afirmação que parece uma bênção, pode ser prejudicial do ponto de vista psicanalítico. Quando a felicidade se torna um imperativo, a criança pode crescer com a ilusão de que deve evitar todo e qualquer sofrimento, criando uma baixa tolerância à frustração.
A felicidade não é um estado constante, mas um efeito colateral e temporário, de uma vida significativa, com desafios e aprendizados. Se uma criança não aprende a lidar com a tristeza, a perda e a insatisfação, pode crescer sem desenvolver a resiliência necessária para enfrentar as adversidades do mundo. Ao longo da vida, a exigência de ser sempre feliz pode gerar um sentimento de culpa e fracasso, pois a realidade nunca corresponde à promessa de plenitude.
Se não aprendemos a lidar com as frustrações, corremos o risco de viver em uma realidade distorcida.
Contardo Calligaris, psicanalista, apontava que essa negação pode levar a um comportamento cada vez mais narcisista e isolado. O outro deixa de ser visto como um sujeito com diferenças e passa a ser apenas um espelho para validar nossas próprias crenças e desejos. O resultado? Relações superficiais, intolerância às críticas e uma incapacidade crescente de lidar com qualquer forma de insatisfação.
Eu gosto muito de algo que ouvi de Vera Iaconelli: “Obrigação de pai e mãe não é proteger filhos de tudo. A nossa obrigação de parentalidade é construir lugares seguros onde quem vem depois de nós irá encontrar refazimento para, em seguida, retornar à vida e tomar novas porradas.”
O raso, o circunstancial e o casual se tornam uma constante em todas as relações. Pois como não há castração, não há “porrada”, não há falta, não há estrutura para vivenciar as trocas da vida, na fase adulta estas pessoas simplesmente não dão conta do viver.
Hoje vivenciamos toda uma geração de profissionais adultos, pais, mães, formadores e formadoras de opinião que não dão conta do simples viver, não conseguem ultrapassar as fronteiras do superficial, embora paguem suas contas, tenham títulos e liderem outras pessoas.
Todo um contingente de crianças adultas lidando com outras crianças adultas.
Caminho sem volta?
A realidade se impõe.
De nada adianta sentarmos de braços cruzados e de maneira infantil dizendo: Olha só o que vocês fizeram.
Todos nós somos responsáveis pela aldeia global!
Freud nos descrevia como uma sociedade neurótica, que lidava com os conflitos psíquicos através de mecanismos de defesa e a formação de sintomas. No entanto, quando a castração não é mais aceita, podemos observar um movimento em direção a estruturas sociais mais frágeis, como a pré-psicotica.
Bem vindxs ao presente!
A pré-psicose não é necessariamente uma psicose manifesta, mas um estado onde as fronteiras entre o eu e o outro, entre a realidade e a fantasia, se tornam mais difusas.
Mas como isso se manifesta na sociedade atual? E qual a minha relação com isso?
Na prática, a negação da castração pode se manifestar de diversas formas. Por exemplo, a dificuldade em lidar com críticas, a busca por perfeição inalcançável e a intolerância à frustração são sinais de uma geração que luta para aceitar as limitações inerentes à condição humana. Nas redes sociais, vemos a construção de personas idealizadas, onde a falta é escondida ou maquiada. E todo mundo sabe que não é a realidade, mas em atos inconsciente não nos comportamos como se soubéssemos.
Isso pode levar a um aumento de ansiedade, depressão e outros transtornos psíquicos, já que a pressão por ser “perfeito” e “bem-sucedido” é constante. Além disso, a negação da castração pode se refletir em uma sociedade mais polarizada, onde a capacidade de diálogo e negociação é substituída por embates agressivos e maniqueístas. Se não aprendemos a lidar com as nossas próprias faltas, como podemos reconhecer e respeitar as faltas do outro?
A Castração Revista e Atualizada.
A Geração Z, assim como as gerações anteriores, precisa aprender a lidar com as castrações e as faltas que fazem parte da vida e de sua contemporaneidade.
A negação desse processo pode levar a uma sociedade frágil, onde os indivíduos são cada vez mais isolados, embora hiperconectados.
A psicanálise e seu olhar para o reconhecimento das limitações e da negociação com as faltas, desenvolve ferramentas para agir e enfrentar os desafios do mundo contemporâneo.
É preciso criar espaços onde a falta possa ser reconhecida e elaborada, seja na clínica, na educação ou na cultura. Só assim poderemos evitar um movimento coletivo da neurose para a pré-psicose e construir uma sociedade mais capaz de lidar com as complexidades da vida humana.
A castração, longe de ser um conceito ultrapassado, continua sendo um pilar fundamental para a estruturação psíquica e social. Negá-la é negar uma parte essencial de quem somos. E, como Freud nos ensinou, só ao enfrentar nossas faltas e limitações podemos verdadeiramente nos tornar sujeitos de nossas próprias vidas.
Análise queridxs, análise!